Sunday, June 29, 2008
Lã
Há uma cobertura que nos protege das coisas todas. Em casa, com os familiares, no trabalho. Não que ela não seja vista, ela é. E do mesmo jeito que aos olhos de quem vê uma armadura sobre alguém, sabe-se que ele está mais protegido do que nú. Esta cobertura que se vê nas pessoas, serve também como informação sobre ela. Uso uma lã inofensiva ao contato alheio. Um pouco estranha, um filtro que parece desnecessário e que leva para raizes que não são reais. Como origens e criação infanto-juvenil. Mas aprendi que falar um pouco menos é bom. Não há nada de mal em pensar um pouco. Em guardar questões. Sobretudo porque tenho muitos suportes para não fingir que as questões não existem. Lido com as coisas que me inflamam ou ocorrem, diariamente. Em silêncio respeito e não racional. Não fico me explicando coisas que sinto. Não fico buscando raiz em sensações. Sinto e pronto. Reflito. Deixo reverberar por dentro. Faço o pensamento correr por todas as coisas que me cercam e as conexões vão se fazendo sozinhas e em silêncio. Há muita coisa em nós que trabalha por nós. Aliás, tudo. O que eu deveria dizer de diferente é que há muita coisa fora de nós que trabalha por nós. E acredito nisso. Não luto muito com o tempo do entorno. Amo o ritmo natural das coisas e amo os pedaços que já percorri. Não sou de sentar sobre as coisas feitas, mas diante delas e um pouco mais distante, para vê-las em mim e no mundo que me cerca. Amo minhas circunstãncias e meus devires. As vezes me engasgo com a lã que uso e preciso limpar-me um pouco. E então faço isso com a delicadeza e o relaxamento necessário para não desentrelaçar galhos e poeiras que ainda não me incomodam. Visto uma lã que me protege e me faz melhor na medida que a renovo. Visto as coisas que trago para partilhar e resolver no fluxo diário das relações. E quando as dispo aqui ou em sessões de espelhamento discursivo, só faço por facilitar a identificação do que me engasga. E assim, sabendo mais ou menos onde está o que me incomoda, eu mais ou menos me curo.
Thursday, June 26, 2008
Simples
Na apresentação das coisas, na vida, na arte, no esporte e em quase tudo que me cerca e interessa, parece que a tendência é o simples. Quanto mais simples melhor. Na atuação é uma febre. E é sobre ela que posso falar melhor. Há uma simplicidade enaltecedora na vida que dispensa arestas, ornamentos e naturalmente não suporta sobre si nada que não seja ela própria. Vida simplesmente e muito poderosa. Vemos isso em algumas esquinas, em familia, em qualquer embate de vida e, em dias privilegiados, encontramos essa simplicidade jorrando por nosso exercicio cotidiano de existência. Mas esta "simplicidade" não pode ser alcançada em cena sem que haja uma planificação, uma busca criteriosa e um desdobramento que não perca sua base de contato com o que é puro, singelo e primordial. Colocar-se em situações dramáticas com certa anarquia de sentimentos é um caminho que se pode buscar para alcançar o simples. Esvaziar-se de planos e pensamentos sobre como, onde, o quê se faz em cena, também. Mas então nos invade a real situação de ensaio e busca, que nada tem de simples. Invade-nos as expectativas de quem nos assiste, invade-nos o olhar do outro em cena, invade-nos o fato de estarmos repetindo palavras que decoramos e o fato de executarmos gestos que não são bem os nossos. Há um meio termo, obviamente. Mas o caminho do meio também não é simples. Considerando o meio como 50, quando estamos muito bem em cena, variamos entre 47 e 53. Esta é uma atuação sublime. Alguém que permaneça em 50 durante toda a representação, merece ser estudado como anomalia e não saudado como gênio. A busca do simples na atuação, cria nos atores, ao menos em mim, uma certa chave que nos faz representar o que entendemos como simples inclusive na relação pessoal com os que esperam de nós algo vivo em cena. As vezes deixamos que se perceba isso, mas em boa parte não. E quando alcançamos o simples, fica a impressão de que o trabalho foi somente de corte de excessos. Não. Há muita construção no simples. E se de fato há uma qualidade admiravel no que é simples em cena, há também uma grande vaidade. Se, é sabido, que o simples é o mais difícil, o mais "moderno" e vem sendo o mais enaltecido dos resultados. Há também muita pretensão escondida em se considerar simples. Mas sendo sincero, é isso que busco. E é o que sou. Ao menos aos olhos de quem simplesmente vê.
Friday, June 13, 2008
Fórmula
Não há. Será? Não há jeito de dar certo sempre. Uma coisa em cena. Uma dita. Um dizer. Não há jeito correto para ser? Estar no presente? Não há fórmula. Me repito até entregar-me ao acaso medido de cada momento de representação. Mas no fundo me pergunto: Será?
Persigo, sem muito me tomar, um troço, coisa, tralha, trem, que me dê a ponte para o átimo de cada ser em cena. Os tantos mil átimos de prazer e presença. Nunca tive a sensação de dominar uma peça. O mais perto que cheguei disso, me deu na peça um prêmio de atuação, um prêmio de direção ao Nelson Xavier, nos deu o prêmio de melhor espetáculo no júri popular e nos dá um retorno de público que rende frutos até hoje, mas também me deu um trote. Pensei, enquanto dizia a última estrofe deste espetáculo, que enfim acabara de realizar a apresentação mais deliciosa de minha vida de ator. E então, claro, travei a língua. Foi bem pouco. Não atrapalhou. Ninguém viu, pensei. Mas na semana seguinte, depois de me cumprimentar pela apresentação. Depois de me fazer ver que ele gostou do espetáculo, Luiz Carlos Vasconcellos, me disse: Mas houve uma tropeçadinha no final, né?
E eu disse o quê? Eu disse, é.
Persigo, sem muito me tomar, um troço, coisa, tralha, trem, que me dê a ponte para o átimo de cada ser em cena. Os tantos mil átimos de prazer e presença. Nunca tive a sensação de dominar uma peça. O mais perto que cheguei disso, me deu na peça um prêmio de atuação, um prêmio de direção ao Nelson Xavier, nos deu o prêmio de melhor espetáculo no júri popular e nos dá um retorno de público que rende frutos até hoje, mas também me deu um trote. Pensei, enquanto dizia a última estrofe deste espetáculo, que enfim acabara de realizar a apresentação mais deliciosa de minha vida de ator. E então, claro, travei a língua. Foi bem pouco. Não atrapalhou. Ninguém viu, pensei. Mas na semana seguinte, depois de me cumprimentar pela apresentação. Depois de me fazer ver que ele gostou do espetáculo, Luiz Carlos Vasconcellos, me disse: Mas houve uma tropeçadinha no final, né?
E eu disse o quê? Eu disse, é.
Tempo Escasso
Há uma coisa que me faço: tempo escasso. Há muito tempo sei que um "monge" que em mim habita se manifesta na escassez. E então me faço escasso. E dou de ombros ao porvir. Sou Cigarra e não formiga. Mas amigo de operárias. Sou Cigarra que encanta quem trabalha. Que divide seu estar maravilhado. Que diverte. Oferta circo. Paga em dobro pelo pão que o amigo oferta. Mas, escasso, me retraio. E abro o peito. Penso em mim. Nas coisas todas que não fiz. E assim aprendo. Mais um pouco. Nunca tudo. Nem de perto. Só um pouco.
Mas "escasso" é também raro. Não só pouco. Ou desprovido.
O escasso é comedido.
Mas "escasso" é também raro. Não só pouco. Ou desprovido.
O escasso é comedido.
Wednesday, June 11, 2008
Casca
Hoje, Lara foi ao meu trabalho diário. Também é o dela ir. Estrearemos uma peça em uma semana. Desta vez ela estará na luz e eu em cena. Ja foi diferente e felizmente vai continuar sendo cada vez de um jeito. Ja estivemos juntos em cena. Juntos fora dela, em produção, e sempre juntos nas antecedências e dias vividos. Mas eu dizia, Lara hoje foi a um ensaio de nossa peça. Me viu num estado que não é dos mais admiráveis na atuação. Estava frágil. Num nó de criação. Empacado em uma maneira de fazer e dizer um texto que não cria uma comunicação direta com a platéia. A idéia é a seguinte: tentar dizer um poema que fala sobre a dificuldade de comunicação (metafóricamente) sem estabelecer uma comunicação plena, limpa, com o espectador. Há uma angústia do personagem que não pode ser a minha. Melhor dizendo, não pode ser SÓ a minha. Há um domínio que preciso ter e que não consegui estabelecer hoje.
Digo, em outro momento da peça, que o caracol é um molusco estúpido que pensa que tem uma casa nas costas, mas aquilo é casca. Eu escrevi isto neste processo. Bem lá atrás. E hoje pensei que talvez eu já estivesse falando de mim. Num lugar bem escondido, que Lara pôs luz, eu penso às vezes ter algo bom em mim. Um ar de talento. Um lugar de estar bem em cena. Mas esse lugar é que me engole. Que me piora. Desconfio sempre do que parece suficiente. Em geral não é nada. Só uma casca.
Digo, em outro momento da peça, que o caracol é um molusco estúpido que pensa que tem uma casa nas costas, mas aquilo é casca. Eu escrevi isto neste processo. Bem lá atrás. E hoje pensei que talvez eu já estivesse falando de mim. Num lugar bem escondido, que Lara pôs luz, eu penso às vezes ter algo bom em mim. Um ar de talento. Um lugar de estar bem em cena. Mas esse lugar é que me engole. Que me piora. Desconfio sempre do que parece suficiente. Em geral não é nada. Só uma casca.
Monday, June 09, 2008
Antecedências
Há coisas que vêm antes. Chamam-nas às vezes ansiedades. Outras "pré-ocupações". Eu as chamo Antecedências. Elas estão sempre por perto. Sempre me pondo à frente. Meu presente é feito de antecedências. Nelas cabem o acumulo bom do passado e as escolhas carinhosas do futuro. Às vezes me surpreendo e a vida me invade com evidências. De amor, conflito, impossibilidade ou festa. Me invade com prioridades. E eu as sigo. Recebo-as com carinho. Respeito-as e moldo meus dias vindouros com as matérias: evidências e antecedências.
Sunday, June 08, 2008
Folga
Os ensaios da peça que estréia em dez dias estão a se dar de maneira crescente em entusiasmo. Parece me as vezes que a própria peça, ou o que ela deverá ser, já existe e que isto nos molda para seu tempo de nascimento. Como as vezes me parece que uma gravidez transforma os pais. Não só pela consciência de cada um ou por um senso de responsabilidade. Mas algo como a idéia de que o bebê traz seu pão. Maior que isso. O bebê traz seu destino. Escolhe os pais. E nós passamos a ser aqueles que podem ter e ser a base do que lhe é necessário para seu crescimento. Mas hoje é só uma pausa. Elas passam muito rapidamente e são necessárias para mente e corpo. Nada de folguedo hoje. Folga é pausa pra mim. Dia de fazer coisas assim. Como escrever, ler e ver. Segunda, eu estico as horas. Hoje elas correm. E eu não me queixo.
Friday, June 06, 2008
Hiato
Eu que sei o tanto que houve entre um escrito e outro quase não caibo em meus pensamentos quando me leio aqui. Talvez um dia desdobre os muitos espaços que calam. Estenda as frases para sua história de origem e as conduza à um fim. Resignifique as palavras e idéias geradas. Como um sonho de uma cena só que se sabe mais profundo. Como um sonho que se repete em nossa memória por anos e vamos aprendendo a respeitá-lo como uma opinião suprema. Uma esfinge interna que nos leva às coisas certas. Um dia, aliás, deveria mesmo, cada alguém que rabiscou suas letras em papéis perdidos, encarar seus escritos e desvendá-los perguntando, com carinho e calma para ouvir a resposta vindo do silêncio de seu coração, "do que se trata?"
Thursday, June 05, 2008
Intervalo
Há umas palavras que prefiro. Lacuna, por exemplo, é onde deveria haver alguma coisa. Espaço é outra coisa. As vezes há espaço, outras vezes não. Mas espaço entre duas coisas é intervalo. Prefiro. Abre-se intervalo à qualquer instante. Entre qualquer dúvida. Entre qualquer crise ou trabalho. Crise por exemplo, não gosto. Uso pouco. Sei que concebo a palavra como poucos. Como a minoria que sabe que crise é o ponto onde algo se define para uma resolução. Infelizmente as vezes se define para um rompimento, outras vezes para uma parceria mais sólida. Mesmo assim, estou falando de uma crise muito específica. De maneira geral pode-se aplicar esta idéia à nações e empresas. Mas o que são afinal as crises entre as nações, senão uma certa inabilidade entre as pessoas que respondem por elas? Enfim, aqui neste intervalo, sempre entre o fluxo constante de amor e trabalho, cabe a pausa. E nela cabe o mundo.
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