Friday, March 12, 2010

Glauco

Queria saber melhor o que acontece em mim quando morre alguém. O menino exemplo filho da mãe catadora de lixo. O cara que não fechou a janela no ônibus. A senhora que foi atingida por uma pedra jogada de um viaduto. O jovem ator que estreiou em Caras e Bocas. O piloto do helicóptero da Record. Cada uma das vítimas que morre por tiro no estado do Rio a cada 1 hora e 13 minutos. O tempo médio de uma peça teatral. Enquanto apresento uma peça, morre uma pessoa ferida por bala ao terceiro sinal e outra nos aplausos. Glauco e seu filho foram assassinaods por alguém de seu convívio. Além de ser um artista que em sua busca pessoal de iluminação contribuia para uma visão bem humorada de nossa vida cotidiana, Glauco é ainda mais próximo por ser o nome de um amigo de infância. E a morte de qualquer pessoa me afeta, quando há sobre ela o nome de alguém que conheço (como também é Raoni o filho de Glauco) parece que a dor é maior. Meus amigos estão bem. Alguém disse que a cada morte choramos a finitude do ser humano, choramos nossa própria efemeridade. Mas não é só isso. Não é tão pessoal. Acho que há um pedaço de ausência de vida que é tão frágil e mutável que obedece os ciclos de vida de tudo. Uma alma comum e imensa a que temos acesso. E as vezes a vida interrompida nos parte o coração. Nos fere a alma. Essa imensa alma comum que ainda não temos como nossa por nos contentarmos com a energia em torno de nossa individualidade. É tão estranho poder escrever isso, quanto pensar que escrevo. Porque não parece algo que eu diga. É só uma coisa que ocorre quando me permito "vestir" uma espécie de narração sem crítica e sem intenção racional ou ambição inteligível. É só como disse no início. Uma vontade de ser tão puro que poderia compreender com carinho, e sem esforço de pensamento, o que é esta dor que nasce e vira água pelos olhos na morte de alguém. Seja por tiro ou terremoto. Por defesa ou ataque. Por tática ou ignorância. Por falência ou sucesso. Por si, por seu filho ou por deus.

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