Sunday, March 07, 2010

Rasoura de Ator

Um filme. No Meu Lugar. Um personagem que me permite praticar rasuras. Antes dele outros apontavam para o que pude ser no policial Zé Maria. Talvez tendo no filme um ápice, antes dele e até agora experimentei partes diferentes de atmosferas de uma pessoa que vive o presente (as cenas) enquanto indica para além da situação encenada uma "sombra de dúvida". Sombra mãe da consciência de morte e da falta de sentido nas relações. Algo que faz o personagem pensar e ser uma pessoa em conexão com a tristeza maior inerente ao humano a partir da situação/condição de vida em que está inserido. Um laço de densidade e antecedência entre o presente e uma dúvida sobre o que não se pode precisar. Esta foi a formação etérea e básica que constituiu alguns personagens que fiz nos três últimos anos. L... da peça francesa A Geladeira (Copi); Jarbas um enfermeiro corruptível em Paraíso Tropical; Zé Maria de No Meu Lugar; "O Homem que fica" na peça O Que eu Gostaria de Dizer; Ramu de Caminho das Índias; César do filme "A Alegria"; Lopes do filme "5x Favela"; Guedes do IMPROV e o Marido de Ferocidade. São muitos personagens e parece muito arriscado usar uma parte do que sou (alguém com muitas dúvidas) para fornecer alimento e vida a todos eles. Mas assim são as pessoas. Iguais e únicas. Assim sou eu mesmo. Diferente embora um. Todos estes personagens poderiam ser a mesma pessoa. Os espaços e as circunstâncias distintas em que estão já seriam suficientes para que tenham em suas respirações, posturas e falas, individualidade. E esta coisa específica é bem menos do que a minha confusão de ator pode oferecer. Nela tem apenas uma parte da alma que investigo. E talvez já tenha realizado no Alexandre, um empresário de pagodeiro em uma participação no Força Tarefa (no ar em maio), algo que é uma transição entre esta parte da alma dorida de perdas e outra parte que não toma consciência disso. Uma outra parte de alma que não reconhece dúvida ou dor e segue. Se utiliza das condições momentâneas para descobrir-se inteiro. E que sem muitos questionamentos reage criando uma personalidade ativa, agente. Em Amazônia, o chefe do armazém que fiz, Clemente, tinha está sensação de ser central. De ter um mundo a seu redor e em função dele. Pus um pouco disso no Alexandre de Força Tarefa sabendo que a curva do bom texto me permitiriam acessar também a ameaça de perda na vida.
Em Portugal RASOURA é o nome da ferramenta que tira os fiapos de madeira para igualá-la à peça padrão. É também um instrumento que faz a telha e o tijolo. É algo que nivela, iguala. Na carpintaria do ator, RASOURA pode ser um artefato para ser usado numa parte de alma que se desdobra para habitar muitos personagens. E digo isso com muitas sombras de dúvidas.

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